Liquid Crystals

Cristais líquidos

 Os cristais líquidos (CLs) são caracterizados por apresentarem um grau de ordem molecular intermediário entre a ordem posicional e orientacional de longo alcance dos sólidos cristalinos e a desordem posicional de longo alcance dos líquidos isotrópicos e gases [1]. O grau de desordem aumenta com o aumento da temperatura (Figura 1).

Figura 1: Representação esquemática do arranjo molecular durante as transições de fase entre as fases cristal, cristal líquido (esmética e nemática) e líquido isotrópico em função da temperatura.

Por definição as moléculas que apresentam propriedades líquido-cristalinas são denominadas mesógenos, enquanto que as fases existentes entre a sólida e a líquida são designadas por mesofases. As interações supramoleculares tais como as forças de van der Waals, interações dipolares ou quadrupolares, interações de transferência de carga e ligações de hidrogênio, desempenham um papel crucial na formação dos CLs e na determinação das mesofases [2].

A combinação de ordem e fluidez presente nos CLs resulta em diversas mesofases com propriedades para inúmeras aplicações. Recentemente, aplicações biomédicas, tais como em guias de droga, ligações de proteínas e na detecção de micróbios, têm sido demonstradas. Na ciência dos materiais, embora os CLs ofereçam diversas aplicações, como em sensores de temperatura (termômetros médicos), eles são principalmente conhecidos por sua exploração extensiva em dispositivos eletro-ópticos de visualização, tais como relógios, calculadoras, telefones, câmeras, computadores portáteis, televisores de tela plana, etc [2, 3].

De acordo com os parâmetros físicos mais relevantes nas transições de fase os CLs são divididos em duas grandes classes: os termotrópicos (CLTs) e os liotrópicos (CLLs). Os CLLs possuem agregados de moléculas anfifílicas como geradoras de mesomorfismo e são encontrados abundantemente em sistemas biológicos [4]. Já os CLTs apresentam a molécula como unidade fundamental para a ocorrência de uma mesofase e recebem este nome porque as transições de fase ocorrem principalmente pela ação da temperatura.

De acordo com a anisometria das moléculas que constituem os CLTs, eles podem ser classificados em calamíticos e discóticos.Os CLs calamíticos são formados por moléculas orgânicas que exibem um formato alongado, tipo bastão (um dos eixos moleculares é significativamente maior do que os outros dois) (Figura 2 a). Os CLs discóticos são formados por moléculas orgânicas que exibem um formato achatado, na forma de disco (dois dos eixos moleculares são muito maiores do que o outro eixo) (Figura 2 b).

Figura 2: Representação esquemática da anisometria molecular em CLs termotrópicos a) calamíticos (moléculas em forma de bastão) e b) discóticos (moléculas em forma de disco).

A classe dos CLTs tem impulsionado diversas aplicações tecnológicas para estes materiais. No campo da Eletrônica Orgânica os CLs vêm sendo intensivamente estudados como promissores semicondutores orgânicos. Eles têm atraído particular atenção devido a notável habilidade de auto-organização, fácil processamento e elevadas mobilidades dos portadores de carga. De um modo geral, existem dois tipos de mesofases atraentes para aplicações em dispositivos optoeletrônicos orgânicos. Estas diferem no tipo de estrutura auto-organizada que produzem e na dimensionalidade do transporte de carga. Os CLs calamíticos podem formar as fases esméticas, nas quais as moléculas em forma de bastão estão arranjadas em camadas. Estas fases apresentam transporte de carga bidimensional em direções perpendiculares ao longo eixo molecular. Nos CLs discóticos as moléculas em forma de disco se auto-organizam formando as fases colunares. As estruturas colunares por sua vez podem se arranjar em redes hexagonais, cúbicas, retangulares, etc [5, 6]. Nos CLDs a condução de carga é unidimensional e ocorre ao longo das colunas. Existem vários reviews recentes na literatura destacando as vantagens de aplicação destes materiais em eletrônica orgânica [5, 7-10].

Uma das grandes vantagens na utilização de CL como semicondutor orgânico é a possibilidade de controlar e modificar a sua organização/alinhamento molecular em relação à superfície. Isso pode ocorrer através de tratamentos térmicos, tratamentos de superfície, aplicação de campo elétrico ou magnético e até por incidência de luz. Assim, de acordo com a estrutura (diodo ou transistor) na qual se deseja aplicar o material, a orientação molecular mais adequada pode ser atingida, resultando em um melhor desempenho do dispositivo (Figura 3).

Figura 3: Ilustração esquemática das orientações moleculares a) da fase esmética e b) da fase colunar em relação à superfície nas estruturas de transistor e diodo, respectivamente. As setas indicam a direção de transporte dos portadores de carga.

Dentro deste cenário promissor, uma das linhas de pesquisa do nosso grupo é investigar o potencial de aplicação de CLs em dispositivos tais como os OLEDs (Organic Light Emitting Diodes), OFETs (Organic Field Effect Transistor) e OSC (Organic Solar Cells). Os compostos em estudo são compostos inéditos, que apresentam as fases esméticas e colunares, obtidos a partir de colaborações bem estabelecidas com grupos de Química que se dedicam à Síntese Orgânica. Por exemplo, já existe uma colaboração bastante sólida com o Prof. Hugo Gallardo do Departamento de Química da UFSC. O grupo do Prof. Hugo Gallardo possui vasta experiência na síntese de moléculas orgânicas (luminescentes) com propriedades líquido-cristalinas.

 

[1] G. W Gray, P. A. Winson, Liquid Crystals and Plastic Crystals, V.1, Ellis Horwood Limited, New York  (1974).

[2] S. Kumar, Chem. Soc. Rev. 35, 83 (2006).

[3] J. Q. Carou, Flow a nematic liquid crystal. Department of Mathematics University of Strathclyde Glasgow (2007).

[4] I. H. Bechtold, Revista Brasileira de Ensino de Física, vol 27 (3), 333 (2005).

[5] S. Sergeyev, W. Pisula, Y. H. Geerts, Chem. Soc. Rev. 36, 1902-1929 (2007).

[6]G. Schweicher, G. Gbabode, F. Quist, O. Debever, N. Dumont, S. Sergeyev, Y. Geerts, Chem. Mater. 21, 5867-5874 (2009).

[7] W. Pisula, M. Zorn, J. Y. Chang, K. Müllen, R. Zentel, Macromol. Rapid Commun. 30, 1179-1202 (2009).

[8] B. R. Kaafarani, Chem. Matt. 23, 378-396 (2011).

[9] M. O’Neill and S.M. Kelly, Adv. Mater. 23, 566-584 (2011).

[10] R. J. Bushby and K. Kawata, Liq. Cryst. 38, 1415-1426 (2011).